quarta-feira, 13 de outubro de 2010

A DESPEDIDA





Bá! Minha vida! Imaginei que você viesse.(T)

A última coisa que eu queria era que me visse nesse estado. Eu imagino o que deve passar pela sua cabeça. (T) Um dia aqui dentro dura uma eternidade. A única distração são os espancamentos diários. De seis a oito vezes por dia. Alguns dias um pouco mais. Minhas mãos não param de tremer há semanas e não durmo há quase dez dias. Meus dentes mal param na boca e alucinações terríveis têm atormentado minha cabeça. Cada golpe desferido me traz a imagem do Jihad. O ferro parece gravar no meu corpo a sua fisionomia.

Sabe que, apesar de toda a humilhação, da sujeira, da selvageria e da iminência da morte, não consigo me arrepender de nada? Tudo que fiz, escolhi e vivi foi em nome do amor. Eu jamais poderia fugir da escolha do meu coração. É possível abafar um sentimento tão grande? Como esconder o que eu sentia por você? O que eu podia fazer se sempre te amei?

Desde criança, eu nunca aceitei a idéia de ser escolhida por alguém. Será que eu não tenho o direito de escolher quem eu amo? A pessoa que quero ao meu lado pelo resto dos meus dias? Aquele com quem eu possa ter filhos, construir uma família de verdade, baseada num amor de verdade? Sem máscaras? Sem interesses pífios? Se meu pai hoje chora, é porque enfiou-me goela abaixo um alcoólatra sádico e agressivo. Dividir um velho sujo e patético com mais três ou quatro mulheres em nome de uma tradição ridícula? Não dava mais para fingir que estava tudo bem.

(T) A decisão da execução está nas mãos da justiça. Agora é só esperar, Bá. O advogado diz que ainda há uma chance, mesmo que remota. Resta aguardar, apenas. O revoltante é que até pelas próprias leis, a minha condenação é ilegal. Eles não encontraram nenhuma evidência da nossa relação. Inocente! Perante a justiça, até o momento, é isso que eu sou. Eles não têm prova cabal de nada. Foi uma acusação em nome de uma suposta honra maculada, veiculada na imprensa internacional.

Não fique assim meu amor. Olhe pra mim. Acalme-se. Quem sabe o caso não dá uma reviravolta? É com esse pensamento que eu consigo forças pra sobreviver aqui dentro. Pra mim está bem difícil continuar também. E, principalmente longe de você. Bá, minha vida! Se ao menos eu pudesse te tocar pela última vez(deslizando a mão pelo vidro). Te amo, não se esqueça de mim. Nunca. Te amo muito.

Guardas entram e param na porta.Bashshar se levanta.Ahlam o chama de volta.

Bashshar, volte pra Riad. Ao menos lá, você estará seguro. Não quero que te descubram. Inocente ou não, é provável que eles me condenem. Vá.
Gabriel Taco
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