Verinha - De novo, doutor.
Doutor Marcelo – Já imaginava.
Verinha – Imaginava?
Doutor Marcelo – Imaginava.
Verinha – Podia ter me avisado.
Doutor Marcelo – Aos poucos você se acostuma.
Verinha – É impossível se acostumar.
Doutor – Aos poucos você se acostuma.
Verinha - Você tá achando graça, né?
Doutor Marcelo – Não é tão grave como você pensa.
Verinha - O que fazer?
Doutor Marcelo – Esperar.
Verinha – Esperar?
Doutor Marcelo – Sim, esperar.
Verinha – Como da outra vez?
Doutor Marcelo – Como da outra vez.
Verinha – Você, pra variar, com o mesmo papo.
Doutor Marcelo – O que tinha pra ser feito, foi feito.
Tempo
Verinha – Medo, de novo.
Doutor Marcelo - Natural.
Verinha – Solidão, de novo.
Doutor Marcelo - Natural.
Verinha - Medo da solidão, de novo.
Doutor Marcelo – Natural.
Verinha – Sensação de estar dentro de um liquidificador, sabe?
Doutor Marcelo - Não muito natural.
Verinha - Rodando, entende?
Doutor Marcelo – Sim, natural. Pra um liquidificador.
Verinha – Claustrofobia. Como se as paredes me espremessem.
Doutor Marcelo - Compreensível.
Verinha – Vertigem. Letras e números embaralhados.
Doutor Marcelo - Compreensível.
Verinha - Sensação de estar pendurada por um cabo, cercada de luzes brancas.
Doutor Marcelo – Perfeitamente compreensível.
Tempo
Verinha – Lembra da última vez que estive aqui?
Doutor Marcelo – Como esquecer?
Verinha – Por isso não vou mais gritar.
Doutor Marcelo – Extremamente recomendável.
Verinha – Não adianta, só piora.
Doutor Marcelo – Não adianta, só piora.
Verinha – O silêncio é a saída.
Doutor Marcelo – Te avisei.
Verinha – O silêncio é a saída.
Doutor Marcelo – É a única saída nesse caso.
Silêncio. Tempo
Verinha – A solução vem logo dessa vez?
Doutor Marcelo – Quando se percebe rapidamente que há algo errado, sim.
Verinha – Da outra vez demorou.
Doutor Marcelo – Me espanta ser a sua segunda vez e ainda ficar nesse estado.
Verinha – Não é algo normal, ou é?
Doutor Marcelo – Perfeitamente normal.
Verinha – Pelos comentários, minha reação também é normal.
Doutor Marcelo – Também, perfeitamente normal.
Verinha – Ainda não sei lidar com isso.
Doutor Marcelo – As pessoas novas no prédio estranham um pouco.
Verinha – Onde eu morava jamais acontecia isso.
Doutor Marcelo – Prédio velho, você sabe. Os elevadores nunca têm a manutenção necessária.
Verinha – Compreendo.
Doutor Marcelo - Com o tempo você aprende.
Verinha – Assim que nos tirarem daqui eu vou falar com a síndica.
Doutor Marcelo – Fiz isso infinitas vezes.
Verinha – Não resolveu?
Doutor Marcelo – Fiz isso infinitas vezes.
Verinha – Não tem cabimento.
Doutor Marcelo – Patético.
As luzes do elevador se acendem e apagam.
Verinha – Está voltando.
Doutor Marcelo – Acho que não.
Verinha – Não o elevador, a sensação de liquidificador.
Doutor Marcelo – Não muito natural.