segunda-feira, 29 de novembro de 2010



DIVÃ



Palco totalmente escuro. Verinha está num plano mais baixo e o Dr Marcelo, sentado. Cada um tem uma lanterna em mãos que iluminam seus rostos.


Verinha - De novo, doutor.

Doutor Marcelo – Já imaginava.

Verinha – Imaginava?

Doutor Marcelo – Imaginava.

Verinha – Podia ter me avisado.

Doutor Marcelo – Aos poucos você se acostuma.

Verinha – É impossível se acostumar.

Doutor – Aos poucos você se acostuma.

Verinha - Você tá achando graça, né?

Doutor Marcelo – Não é tão grave como você pensa.

Verinha - O que fazer?

Doutor Marcelo – Esperar.

Verinha – Esperar?

Doutor Marcelo – Sim, esperar.

Verinha – Como da outra vez?

Doutor Marcelo – Como da outra vez.

Verinha – Você, pra variar, com o mesmo papo.

Doutor Marcelo – O que tinha pra ser feito, foi feito.

Tempo

Verinha – Medo, de novo.

Doutor Marcelo - Natural.

Verinha – Solidão, de novo.

Doutor Marcelo - Natural.

Verinha - Medo da solidão, de novo.

Doutor Marcelo – Natural.

Verinha – Sensação de estar dentro de um liquidificador, sabe?

Doutor Marcelo - Não muito natural.

Verinha - Rodando, entende?

Doutor Marcelo – Sim, natural. Pra um liquidificador.

Verinha – Claustrofobia. Como se as paredes me espremessem.

Doutor Marcelo - Compreensível.

Verinha – Vertigem. Letras e números embaralhados.

Doutor Marcelo - Compreensível.

Verinha - Sensação de estar pendurada por um cabo, cercada de luzes brancas.

Doutor Marcelo – Perfeitamente compreensível.

Tempo

Verinha – Lembra da última vez que estive aqui?

Doutor Marcelo – Como esquecer?

Verinha – Por isso não vou mais gritar.

Doutor Marcelo – Extremamente recomendável.

Verinha – Não adianta, só piora.

Doutor Marcelo – Não adianta, só piora.

Verinha – O silêncio é a saída.

Doutor Marcelo – Te avisei.

Verinha – O silêncio é a saída.

Doutor Marcelo – É a única saída nesse caso.

Silêncio. Tempo

Verinha – A solução vem logo dessa vez?

Doutor Marcelo – Quando se percebe rapidamente que há algo errado, sim.

Verinha – Da outra vez demorou.

Doutor Marcelo – Me espanta ser a sua segunda vez e ainda ficar nesse estado.

Verinha – Não é algo normal, ou é?

Doutor Marcelo – Perfeitamente normal.

Verinha – Pelos comentários, minha reação também é normal.

Doutor Marcelo – Também, perfeitamente normal.

Verinha – Ainda não sei lidar com isso.

Doutor Marcelo – As pessoas novas no prédio estranham um pouco.

Verinha – Onde eu morava jamais acontecia isso.

Doutor Marcelo – Prédio velho, você sabe. Os elevadores nunca têm a manutenção necessária.

Verinha – Compreendo.

Doutor Marcelo - Com o tempo você aprende.

Verinha – Assim que nos tirarem daqui eu vou falar com a síndica.

Doutor Marcelo – Fiz isso infinitas vezes.

Verinha – Não resolveu?

Doutor Marcelo – Fiz isso infinitas vezes.

Verinha – Não tem cabimento.

Doutor Marcelo – Patético.

As luzes do elevador se acendem e apagam.

Verinha – Está voltando.

Doutor Marcelo – Acho que não.

Verinha – Não o elevador, a sensação de liquidificador.

Doutor Marcelo – Não muito natural.


Gabriel Taco
Todos os direitos reservados

2 comentários:

  1. Muito legais seus textos. Além de cênicos, prende nossa leitura. Chequei ao seu blog meio por acaso e reconheci vc lá da leitura no teatro do planetário. Vou seguir. []s

    ResponderExcluir
  2. Oi Gabriel!!
    Conheci teu blog a exatos 2 minutos e adoreiii

    Beijinhos

    ResponderExcluir